Modelagem de risco epidemiológico baseada na rede de mobilidade entre as cidades do estado de Pernambuco

Julio Cezar Soares Silva
5 min readJun 17, 2021

Este artigo trata da apresentação e demonstração de uso de uma ferramenta analítica de visualização para apoiar políticas públicas, medidas restritivas e barreiras de isolamento contra a COVID-19 com base em dados de localização móvel anonimizados e indicadores de risco epidemiológico.

É um desafio estabelecer protocolos confiáveis e seguros, pois, infraestrutura social, aspectos culturais e comportamento individual alteram o resultado final. Dadas as dificuldades para estabelecer um protocolo bem-sucedido, o isolamento social, medidas restritivas e as barreiras de isolamento estão entre as opções mais confiáveis para conter a propagação de tal doença, portanto, é a política mais utilizada adotada contra a pandemia do COVID-19.

Neste artigo é apresentada uma ferramenta de visualização que dará suporte à exploração de diferentes cenários para criação de barreiras de isolamento e medidas restritivas visando a recuperação e controle epidemiológico baseada em risco considerando a mobilidade entre estas regiões. A construção do modelo analítico considerou dados de localização anônima, considerando matrizes de adjacência, resultando em redes baseadas em risco que explorem o comportamento espacial dos cidadãos. Ao explorar diferentes valores de tolerância para o limiar de mobilidade (essencial), os especialistas podem investigar os tradeoffs entre o nível de isolamento imposto pelas barreiras e o tamanho das macro-regiões que devem ser mantidas isoladas.

O sistema utiliza várias visualizações coordenadas para apoiar a avaliação dessas regiões com relação a indicadores socioeconômicos da população e ao risco de infecção dos diferentes locais. O estudo de caso desenvolvido envolve o estado de Pernambuco (PE), no Brasil. A diversidade socioeconômica encontrada nas cidades de Pernambuco também traz uma demanda essencial para o presente trabalho.

A ferramenta

Na Figura 1 é apresentada a interface gráfica da ferramenta desenvolvida, que tem como inputs as medidas de risco, a matriz de adjacências, dados epidêmicos e indicadores socioeconômicos. O painel de controle (Figura 1 (a)) é utilizado para configurar a visualização e definir o limite de mobilidade e é alimentado por todos os inputs. O mapa (Figura 1 (b)) mostra diversas camadas de visualização: grafos, áreas de cada cidade e clusters. Por fim, há um painel de gráficos que mostra informações quantitativas sobre as regiões e clusters, contendo um gráfico de barras (Figura 1(c)) e um gráfico de dispersão (Figura 1(d)). Estes gráficos são alimentados por dados epidêmicos, medidas de risco e indicadores socioeconômicos.

Figura 1. Interface gráfica da ferramenta mostrando a exploraçao das cidades de Pernambuco

Agora serão apresentados os dados utilizados, as características da ferramenta e casos de uso.

a) Dados necessários

Matriz de adjacências: Estas matrizes caracterizam o fluxo entre cidades em termos da saída de uma parcela da população de uma cidade. Foram adotadas duas matrizes de adjacência para simular piores cenários possíveis de fluxo com e sem lockdown. Os dados utilizados dizem respeito ao comportamento da população pernambucana, considerando viagens entre as populações das 192 cidades.

Dados socioeconômicos obtidos no site do IBGE: Os dados socioeconômicos de cada cidade de Pernambuco foram coletados no site do IBGE.

Dados epidêmicos fornecidos pelo governo do estado de PE: Contém dados de pacientes que foram testados e acompanhados. Estes dados são utilizados para o cálculo de medidas de risco juntamente com as matrizes de adjacências.

b) Características

Visualização de múltiplas fontes de dados: Permite visualizar redes de mobilidade, dados epidêmicos e indicadores socioeconômicos para definir propriedades das macro-regiões.

Considerar múltiplos cenários: É possível avaliar diferentes níveis de severidade nas barreiras de isolamento geradas.

Simplicidade: Desenhar políticas públicas neste contexto de pandemia requer discussão com diversos stakeholders. Portanto, é necessário que a ferramenta seja de fácil entendimento para ser discutida e utilizada por todos.

Compartilhamento fácil: Por ser uma ferramenta web, é possível compartilhar a ferramenta facilmente com todos os stakeholders envolvidos

c) Casos de uso

Situação de macro-regiões ao longo do tempo: Após a geração de macro-regiões a partir de barreiras de isolamento, pode-se identificar clusters não-infectados (nenhum caso ativo) e infectados (pelo menos um caso ativo). Esta tarefa objetiva monitorar as macro-regiões para que o gestor público fique atento a quando e onde deverão ser tomadas as ações necessárias para mitigar riscos. Na Figura 2 é mostrado um conjunto de macro-regiões em que aquelas com polígonos azuis estão saudáveis (nenhum caso ativo) e aquelas com polígonos vermelhos estão infectadas.

Figura 2. Situação dos clusters gerados em um determinado dia.

Comparar efeito do lockdown em macro-regiões ao longo do tempo: Após a geração de macro-regiões a partir do limiar de mobilidade, pode-se avaliar os riscos destas antes e depois do lockdown. Esta análise é interessante para conscientizar a população sobre a importância do isolamento social.

Situação de APLs a partir das macro-regiões ao longo do tempo: Após a geração de macro-regiões a partir de barreiras de isolamento, pode-se identificar quais delas pertencem a cada um dos APLs do estado. Com isto, pode-se verificar a criticidade do APL naquele momento. Isto é importante para controlar o risco de cada APL de modo que sua retomada seja robusta.

Priorização das macro-regiões mais críticas: A partir das medidas de risco, pode-se ranquear os clusters mais críticos e alocar recursos de acordo com a ordem de prioridade definida. Para complementar a análise de criticidade, pode-se avaliar os indicadores socioeconômicos de cada cidade contida nas macro-regiões, de modo que se possa obter uma importância de criticidade em cada cidade de uma macro-região.

Conclusão

A ferramenta permite diversas análises através de um dashboard que vai além de uma análise exploratória dos casos relatados. A interface gráfica incorpora indicadores socioeconômicos, análise de risco e uma visualização de rede com uma abordagem de agrupamento. É possível visualizar a construção de clusters, que podem ser usados para criar barreiras de isolamento e monitorar indicadores relacionados à epidemia.

Colaboração

Dr. Adiel Teixeira de Almeida Filho (UFPE)
Dr. Nivan Ferreira (UFPE)
MSc. Diogo Ferreira de Lima Silva (UFPE)

Referências

Silva, J.C.S.; de Lima Silva, D.F.; Delgado Neto, A.S.; Ferraz, A. ; Melo, J. L. ; Ferreira Jr, N.R. ; de Almeida Filho, A.T. 2021. A city cluster risk-based approach for Sars-CoV-2 and isolation barriers based on anonymized mobile phone users’ location data. Sustainable Cities and Society, v. 65, 102574.

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Julio Cezar Soares Silva

Doutorando em Ciência da Computação e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Gerenciamento de Riscos, Estudos de Engenharia Financeira e Otimização (GREEFO)